É
muito difícil desconstruir a si mesmo. As vezes sinto que realmente nascemos
como uma tábula rasa, conceito de Locke. Então, ao longo da infância e
adolescência, vamos edificando o que somos, o que acreditamos, o que queremos,
o que gostamos.
Quando
eu entrei na faculdade, vi grande parte das minhas convicções serem desconstruídas.
Dia desses, um familiar próximo me disse que haviam mudado muito a minha cabeça
nesses últimos anos. Bom, não é verdade. A verdade é que apenas “compramos” uma
ideia se ela faz sentido para nós.
Claro
que mudança é um processo constante na vida, mas meu “esclarecimento” sempre
foi algo que eu me orgulhava. Eu sempre cito Einstein, que dizia que uma mente que se abre a uma nova ideia,
jamais voltará ao seu tamanho original. O problema é que a gente vai
ficando gente grande e entendendo que vários clichês dos nossos pais e avós
são, impressionantemente, verdadeiros.
Então
tudo tem seu bônus, mas também seu ônus. E não há bem que sempre dure, nem mal
que não se acabe.
Na
desconstrução das minhas convicções, eu construí inúmeras outras, sem me dar
conta. Exemplo. Quando desconstruí minha crença na existência de Deus, passei a
achar que meu novo mote poderia ser o conhecimento por si só. Tive fé na
racionalidade. Consequentemente, a gente vai achando que tem o controle de
tudo, mesmo sabendo, em teoria, que não. Até que a vida resolve te colocar no
seu devido lugar.
O
próprio Freud já discutiu essas questões bem melhor do que eu. Em O Mal Estar na Civilização, ele trata
das fronteiras não-permanentes do ego, o que somos, e começa justamente falando
de um suposto amigo e sua crença na religiosidade enquanto sentimento de
eternidade. Ao que Freud frisa a dificuldade em lidar com os sentimentos de
modo científico. Minha sincera identificação.
Mas, parafraseando
Einstein, há mesmo caminhos sem volta, miseravelmente. Devo dizer que a racionalização excessiva, a meu ver,
só nos torna reféns de nós mesmos. Claro que sabemos que não temos todas as
respostas, aliás, não temos quase nada. Mas viver esse fato de perto é
simplesmente devastador. E a ideia de finitude, no mundo moderno, assusta.
Assusta tanto que, muitas vezes, podamos começos, por temer finais.
Embora
eu acredite em certa religiosidade, porque não sei se é possível ao ser humano
não possuir um pouco dela, eu não consigo simplesmente acreditar nessa entidade
maior que rege todas as coisas. E isso gera um buraco. Também sempre questionei a função de
auto-ajuda, como sempre questionei as doenças modernas. Mas fato é que, certas
coisas, ou simplesmente existem, talvez porque estejamos condicionados, ou
existem porque possuem uma função. E não necessariamente um sentido.
Então,
seja temente a Deus. Nem tanto que te cegue frente aos questionamentos, mas o
suficiente para ter um apoio que dependa apenas de você mesm_. Acredite em
destino e use a auto-ajuda. Eu realmente não sei o que isso tudo significa e, pra mim, diz muito pouco, mas acredito que facilita muito as coisas.
Pessoalmente, eu
sempre fui defensora de permitir-se, arriscar-se, viver plenamente, viver em
essência. Enganei-me achando que isso só dizia respeito a coisas definidamente “boas”.
Sinceramente, não nos sentimos mais humanos do que quando experimentamos também
as dores da vida e os sabores da loucura humana. Por isso, vivamos também a
dor, a incompletude, a incerteza. Mesmo sabendo que nada disso faz sentido
algum. Mesmo sabendo que esses caminhos, incertos, vão derrubar todas as nossas
convicções a qualquer momento e nos deixar sem chão. Mesmo sabendo de tudo isso
e sabendo que tudo isso é nada, porque nada sabemos. Continuemos.
“Somos
assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem
para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O
vazio é o espaço da liberdade, a ausência das certezas. Mas é isso que tememos:
o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar
onde as certezas moram.”
(Os irmãos Karamazov, Dostoiévski)
Meu Deus, me dê
a coragem
Meu Deus, me dê
a coragem
de viver
trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de
Tua presença.
Me dê a coragem
de considerar esse vazio
como uma
plenitude.
Faça com que eu
seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti
em êxtase.
Faça com que eu
possa falar
com este vazio
tremendo
e receber como
resposta
o amor materno
que nutre e embala.
Faça com que eu
tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as
Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a
solidão não me destrua.
Faça com que
minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu
tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu
saiba ficar com o nada
e mesmo assim me
sentir
como se
estivesse plena de tudo.
Receba em teus
braços
o meu pecado de
pensar.
(Clarice Lispector)