segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Sobretudo, sobre nada

É muito difícil desconstruir a si mesmo. As vezes sinto que realmente nascemos como uma tábula rasa, conceito de Locke. Então, ao longo da infância e adolescência, vamos edificando o que somos, o que acreditamos, o que queremos, o que gostamos.

Quando eu entrei na faculdade, vi grande parte das minhas convicções serem desconstruídas. Dia desses, um familiar próximo me disse que haviam mudado muito a minha cabeça nesses últimos anos. Bom, não é verdade. A verdade é que apenas “compramos” uma ideia se ela faz sentido para nós.

Claro que mudança é um processo constante na vida, mas meu “esclarecimento” sempre foi algo que eu me orgulhava. Eu sempre cito Einstein, que dizia que uma mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original. O problema é que a gente vai ficando gente grande e entendendo que vários clichês dos nossos pais e avós são, impressionantemente, verdadeiros.

Então tudo tem seu bônus, mas também seu ônus. E não há bem que sempre dure, nem mal que não se acabe.

Na desconstrução das minhas convicções, eu construí inúmeras outras, sem me dar conta. Exemplo. Quando desconstruí minha crença na existência de Deus, passei a achar que meu novo mote poderia ser o conhecimento por si só. Tive fé na racionalidade. Consequentemente, a gente vai achando que tem o controle de tudo, mesmo sabendo, em teoria, que não. Até que a vida resolve te colocar no seu devido lugar.

O próprio Freud já discutiu essas questões bem melhor do que eu. Em O Mal Estar na Civilização, ele trata das fronteiras não-permanentes do ego, o que somos, e começa justamente falando de um suposto amigo e sua crença na religiosidade enquanto sentimento de eternidade. Ao que Freud frisa a dificuldade em lidar com os sentimentos de modo científico. Minha sincera identificação.

Mas, parafraseando Einstein, há mesmo caminhos sem volta, miseravelmente. Devo dizer que a racionalização excessiva, a meu ver, só nos torna reféns de nós mesmos. Claro que sabemos que não temos todas as respostas, aliás, não temos quase nada. Mas viver esse fato de perto é simplesmente devastador. E a ideia de finitude, no mundo moderno, assusta. Assusta tanto que, muitas vezes, podamos começos, por temer finais.

Embora eu acredite em certa religiosidade, porque não sei se é possível ao ser humano não possuir um pouco dela, eu não consigo simplesmente acreditar nessa entidade maior que rege todas as coisas. E isso gera um buraco. Também sempre questionei a função de auto-ajuda, como sempre questionei as doenças modernas. Mas fato é que, certas coisas, ou simplesmente existem, talvez porque estejamos condicionados, ou existem porque possuem uma função. E não necessariamente um sentido.

Então, seja temente a Deus. Nem tanto que te cegue frente aos questionamentos, mas o suficiente para ter um apoio que dependa apenas de você mesm_. Acredite em destino e use a auto-ajuda. Eu realmente não sei o que isso tudo significa e, pra mim, diz muito pouco, mas acredito que facilita muito as coisas.

Pessoalmente, eu sempre fui defensora de permitir-se, arriscar-se, viver plenamente, viver em essência. Enganei-me achando que isso só dizia respeito a coisas definidamente “boas”. Sinceramente, não nos sentimos mais humanos do que quando experimentamos também as dores da vida e os sabores da loucura humana. Por isso, vivamos também a dor, a incompletude, a incerteza. Mesmo sabendo que nada disso faz sentido algum. Mesmo sabendo que esses caminhos, incertos, vão derrubar todas as nossas convicções a qualquer momento e nos deixar sem chão. Mesmo sabendo de tudo isso e sabendo que tudo isso é nada, porque nada sabemos. Continuemos.


“Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência das certezas. Mas é isso que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.”
 (Os irmãos Karamazov, Dostoiévski)



Meu Deus, me dê a coragem

Meu Deus, me dê a coragem
de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites,
todos vazios de Tua presença.
Me dê a coragem de considerar esse vazio
como uma plenitude.
Faça com que eu seja a Tua amante humilde,
entrelaçada a Ti em êxtase.
Faça com que eu possa falar
com este vazio tremendo
e receber como resposta
o amor materno que nutre e embala.
Faça com que eu tenha a coragem de Te amar,
sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo.
Faça com que a solidão não me destrua.
Faça com que minha solidão me sirva de companhia.
Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar.
Faça com que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.
Receba em teus braços
o meu pecado de pensar.
(Clarice Lispector)

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