quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Luz, câmera e... feijão.

Acende. Apaga.

Ideia vem. Ideia vai.

Não é fácil ter ideias. Não é nada fácil ter boas ideias.

Na Antiguidade, ser pensador era um ofício. No capitalismo, criatividade é mercadoria.

No primeiro texto que escrevi aqui no blog, eu disse que tudo poderia ser um tema. É verdade. O problema é torna-los interessantes. O problema é escrevê-los.

Escrever, mais que um processo criativo, é também um processo investigativo. Afinal, como também já dito, a criatividade precisa te encontrar trabalhando.

O olhar atento suplica por ideias. Escrevi sobre maçãs, dia desses. O fruto proibido e sua importância histórica. Deixei de mencionar, intencionalmente, uma 3ª maçã, igualmente influente para a humanidade. Ela tá aqui, na mesa do colega ao lado. No computador, no celular. Nem Adão e Eva, nem Newton, mas a maçã de Jobs.

O olhar vasculha de novo. O pé dormente. A mão coçando. Uma cicatriz dando pontadas agudas. Passos ressoando.

A percepção de tudo, a ideia de nada. Eis o olhar vadio – flânerie, esse olhar que vagueia, observa... E exaure.

A mente, as vezes, só precisa desligar. Tudo era matéria às curiosidades de Capitu? Bom, uma ideia nem sempre surge do todo; a lâmpada nem sempre tá acesa. Uma ideia pode surgir, literalmente, do nada. Do vazio.

O cérebro é uma lupa. Ao focarmos fixamente um ponto, desconsideramos o que está nas periferias. Essa metáfora é tão literal, quanto figurativa. Mas esse não é o ponto. Fato é: Quanto desperdício não há aí?

Pressão. Datas, prazos, exigências. Existe um nome pra fobia de pressão? Sem dúvida sou pressiofóbica. Aumenta até a pressão (arterial mesmo). Uma panela, com excesso de pressão, manda o feijão para o teto. Eu sou tão boa cozinheira quanto escritora, sempre fica a critério de quem saboreia.

Minha mãe me passou o medo de panela de pressão, o que não constitui fobia. Contudo, a pressão psicológica é tão apavorante quanto. Se a pressão for grande, explode. Todo bom feijão tem de estar bem preparado (e eu adoro feijão), o mesmo acontece com as ideias.

Então, o que a gente faz? Com o feijão, desligamos o fogo antes que seja tarde demais. Com as ideias, desligamos o cérebro antes que ele desperdice todos os bons brotos.

Acende, superaquece, queima.

Acende. Por opção, apaga.

Deus levou sete dias para criar a existência. Sete dias. Sete longos dias. Imagina quanto tempo não levou no processo criativo antecedente à ação.


Clique. (Des)fez-se luz.


domingo, 23 de agosto de 2015

Dicionário histórico pré-capitali$ta

Trabalho – a punição de Adão. Origem na palavra tripalium, o nome de um instrumento de tortura. Acepção predominante até o capitali$mo (e não que isso tenha mudado inteiramente).

Vilões – o oposto da nobreza, na Idade Média; vil remetia aos trabalhos manuais, vistos como indignos. Idade Média também conhecida por Idade das Trevas. Tenho medo de imaginar como a nossa era será enxergada no futuro, caso não o destruamos.

Direito consuetudinário – predominante antes do capitali$mo, as leis eram orais. Curiosamente, “confiança” não precisava existir, enquanto conceito, uma vez que já existia enquanto prática.

Princípio da Reforma Protestante – imposição da tolerância. Irônico, no mínimo, já que “quem tem Cunha, tem medo”.

Usura – algo outrora condenado pela tradição clássica (antiguidade) e cristã. A usura era o lucro, algo considerado imoral, pois o dinheiro, até anteontem, na timeline da história, deveria ser utilizado apenas para coisas úteis. O lucro pelo lucro era exceção, no capitali$mo, se tornou a regra.

Pleonexia – termo também utilizado na tradição Clássica e na Cristã, assim como a crematística, significa cobiça, avareza. O desejo insaciável pela posse, posse do que não é primordial e, muitas vezes, do que não nos pertence. No capetali$mo, vale sempre retomar a máxima de que “quem tem mais do que precisa ter, quase sempre se convence que não tem o bastante” (Índios, Legião Urbana).

Consumo – deriva de com (intensivo) e sumere (pegar); consumo, em uma de suas leituras etimológicas, está ligado a desperdício. Nem precisa ser tão literal para saber que a sociedade do consumo é, por excelência, a sociedade do desperdício.

Droga/drogaria – expressão que derivou duas outras: alucinógenos e fármacos. Em poucos momentos na história da humanidade as “drogas” foram tão mal vistas como no capitali$mo, que mesmo assim não deixa de se apropriar de inúmeras substâncias, da forma como bem entende.

Negócio – negar o ócio. Expressão que ganha impulso, obviamente, no capitali$mo.

Ócio – do latim otium, que significa descanso.

Escola – scholé/skholé/schola – a noção, na Grécia Antiga, estava relacionada a cultivar o tempo da mente. Estendendo o significado, queria dizer, também, folga, lazer, tempo ocioso.

Aluno – sem luz.

Educação e Escola – os significados se misturam no latim e no grego. Suas prováveis origens estão relacionadas a saboroso.

Saborososapor + oris. Saber e razão.

* A educação deveria, através da escola, trazer à luz (razão); conduzir aquele que aprende da potência ao ato, segundo a filosofia aristotélica, de maneira “saborosa”. Em 2015, não sabemos o significado real de educação, nem seu valor; a escola e o atual sistema educacional são modelos falidos, assim como, em grande medida, também o é a família; não temos cultura de respeito e coletividade, tampouco consciência política e social, nossa única cultura “ideal” é a do trabalho e, por conseguinte, a do consumo. Mas ainda achamos que a educação é a solução para todos os problemas, como se ela fosse um super-herói que vai pousar na Terra, em um disco-voador igual ao da Xuxa, e aplicar seu “raio educacional” sobre todos nós.

Diria o barbudo, que “os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem como querem”. Será, meu caro Karl, que não fazemos como queremos? A roda da história é insana, somos 7 bilhões que representam alguns poucos por centos dos seres vivos, e a corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Acabaremos com a existência ou ela acabará com a gente?

** Como aspirante à historiadora, sei que não posso cometer anacronismos, ou seja, julgar o passado com meu olhar do presente. O texto é "meramente ilustrativo".



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Simbora de Pasárgada


O farol muda as cores em padrão. O pedestre aperta o botão e altera a ordem do semáforo, pedindo passagem. Carros passam, carros param. A vida na cidade seria um espetáculo de luzes e sons, se essas luzes não fossem as que ordenam o tráfego e os sons os das buzinas ensurdecedoras. O olhar é fugidio, atento. O passo apressado. Vozes ecoam, passadas criam o ritmo, o cinza que obstrui as vias aéreas é o cinza que arranha o céu da babilônia paulistana.

Mas a vida pede passagem. E o botão que altera a percepção da vida cotidiana na metrópole é sútil. Um bom dia sorridente, um café quente, um novo olhar. Um olhar que capta o imperceptível, que percebe grandeza no que parece simples. O olhar vadio, que vaga, refletindo o seu redor. Os olhos de lince enxergam além do cinza da cidade e veem cores, veem vida.

A urbes cria sua cultura. Ritmo And Poesia compõem a trilha sonora do habitat de pedras, com rima e estilo. No meio do caminho do passeio público, os graffitis gritam e expressam ideias, em cores, timbres, tons e sons. O convite está feito para cada um que passa. A interação muda-ruidosa cria ordem no caos e a partir dele.

Queremos enxergar a vida em dicotomia. Ou o tráfego tá fluindo, ou tá parado. A metrópole é cinzenta, o campo é verde. A vida na cidade é estressante (e essa colocação, de tão auto afirmativa, nem precisa de seu par opositor). Dessa vez, com devida licença poética, a Pauliceia Desvairada é que pede passagem. Convida seu interlocutor a experienciar esse grande caleidoscópio, em que se traduz intensidade e multiplicidade.

São Paulo nasce de seus próprios paradoxos. Intrigou os modernistas, ganhou a alcunha da falta de amor, ainda que despertasse-alguma-coisa-no-coração-daqueles-que-cruzam-a-Ipiranga-e-a-Avenida-São-João. Convocou o sangue e o ouro de paulistas em 32. Sampa, ame-a ou deixe-a? A dialética pede passagem à dicotomia para compor sua síntese: transforme-a.


domingo, 16 de agosto de 2015

O Fruto Proibido

O ser humano sempre temeu, mais que qualquer outra coisa, a si mesmo. Sempre conheceu suas potencialidades e limitações, e buscou caminhos para enquadrar seus comportamentos. A mitologia, as religiões, as lendas, sempre deram conta de ensinar à humanidade os padrões comportamentais dominantes de cada época.

É curioso. Curioso como tememos a nós mesmos pelo próprio conhecimento. A maior potencialidade humana é o conhecimento, mas é também a maior limitação. Saber demais e nunca saber o suficiente é o abismo da consciência humana. A racionalidade compete com a subjetividade, levando a caminhos incertos. Vivemos em função do fim, embora devêssemos potencializar os percursos.

Na tentativa vã de compreender a nós mesmos, inventamos a religião, a ciência, o mito e a arte. Esses elementos: se complementam mais do que se anulam, construindo o todo em que nos encontramos. Como o conhecimento não se esgota, estamos o tempo todo, aprendendo e ensinando.

Em Gênesis, a árvore da ciência do bem e do mal nos é apresentada, cujo fruto é a maçã. O fruto tido por proibido representa, desde os primórdios, um número sem-fim de significados. O sexo, o conhecimento, o bem e o mal. A maçã é protagonista em diversos momentos da história da humanidade. No século XVII, o fruto proibido teria, mais uma vez, protagonizado um importante episódio relacionado à ciência humana, a maçã de Isaac Newton deu origem à Física Clássica.

No Éden, ela não representou o nosso fracasso, representou nossa ousadia. Newton, como todo grande cientista, foi considerado “fora do normal” em boa parte do tempo. Tememos o conhecimento, principalmente quando confronta a nossa limitada capacidade de compreensão da vida.

Mas, parafraseando Ferreira Gullar, porque a vida não basta, a arte existe. E a arte deixou de ser inacessível, porque ganhou as ruas. A arte das ruas que é, também, a arte proibida sob muitos aspectos. Essa introdução é, em verdade, um convite. Um convite aberto, de interação, percepção e transformação. Um convite à ampliação da nossa concepção do mundo, a partir de algo tão comum a nós, as ruas. Um convite ao eterno devir do conhecimento.

Um convite do artista que estabelece esse paralelo necessário, mostrando a semelhança entre o fruto e a arte. Como a maçã, o graffiti representa a amplitude de ideias, a transformação, em uma constante interação que convida seu interlocutor a participar, refletir e, por sua vez, também transformar.

O graffiti transgride os moldes de uma arte contemporânea já tradicional, para reinventar a forma de se fazer arte. A arte que é onipresente e democrática. Se o fruto proibido, transgressor, representou, para a humanidade, a libertação das amarras, a descoberta de si mesmo e do outro, a arte proibida atualiza essas ideias, estabelecendo uma releitura desse símbolo.

Com apresentação desta que vos escreve, a exposição O Fruto Proibido, de Mauricio Glor, apresenta o conhecimento e a subjetividade humanas, em grau mais profundo e enigmático, mas de maneira ilustrativa e acessível, somente possível a partir de uma arte que nasce em meio a todos, que nasce das ruas.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Ceci n'est pas...coisa alguma

Desculpa, caro leitor.

Ceci n’est pas* un texte. Este não é um texto, não mesmo.

Esta, mais que nunca, não é uma crônica.

Isto não é uma ideia.

Este é um bloqueio criativo. Aquele sintoma que, quanto mais acontece, mais tende a acontecer.

Chegam determinados momentos da vida em que tudo é mais do mesmo. O clichê me entendia.
Aqueles que convivem comigo, com frequência se cansam dos meus discursos, sempre repetidos. Eu também me canso deles. Desculpa.

Nos últimos dias, eu comecei inúmeros textos e travei antes mesmo de desenvolvê-los, porque eram previsíveis. É, eu tenho sede de inovação (inversamente proporcional a minha criatividade).

Desabafo número 1: frequento assiduamente aulas de Ciências Humanas há quase 5 anos. Para os acadêmicos, isso é a infância da academia. Para mim, é sinônimo de vários “blabla’s” repetidos. Desculpa o desmerecimento.

Fiz 2 anos de cursinho, apenas (?). Já sabia, no 2º ano, qual piada viria na aula de termodinâmica. Nunca mais esqueci o que eram os espaços intermoleculares (espero não estar me enganando).

Tive 4 semestres de Política com um mesmo professor, nesses 5 anos de vida acadêmica. Ainda não consigo explicar o Dilema do Prisioneiro sem colar.

Mas não se engane. Eu adorava frequentar a escola. Ficar em casa me entediava. Frequentei duas escolas ao mesmo tempo, depois duas faculdades ao mesmo tempo, só para despistar o tédio. Desabafo número 2.

Numa boa? Eu não ligo para a rotina, ela só não pode ser entediante. O que é quase impossível.
Aos meus amigos, ao meu namorado, peço desculpas. Também fico entediada com as convivências frequentes. Mas passa. Talvez por isso eu lide razoavelmente bem com relações à distância, até que a distância me canse.

Desculpa se estou entediando você, caro leitor. As minhas intenções são as melhores.

Desabafo número 3: Durante a graduação, tive sérios problemas com professores enfadonhos. E a academia adora criticar o ser performático. “Professor não é um apresentador sensacionalista, o interesse vem do aluno.” Ok, que tédio esse argumento me dá. Ele é argumento-primo do “tamanho não é documento”. E, convenhamos, nunca usaríamos esse argumento se o fato já não existisse de maneira previamente consumada.

Pessoas dinâmicas e criativas: sou fã. Vocês têm minha admiração. E não que isso valha muita coisa.

Eu? Enfadonha, entediante, pouco performática e pouco criativa. Esse texto? Ele não foge à regra. Quiçá ele é uma exceção que a confirmaria.

Este é apenas um texto. Esta é apenas uma ideia. Isto ainda é the same old** clichê.

Desculpa pelo tédio, desculpa mesmo. É que eu não queria ser repetitiva.

* Referência à pintura de Magritte, a Traição das Imagens.

** Referência a Basquiat, Samo – Same Old Shit. Vanguarda da arte de rua estadunidense.

domingo, 9 de agosto de 2015

3015

Acordei e olhei em volta. 1000 anos se passaram. É domingo.

No dia que eu dormi, era dia dos pais. E a internet era o maior bem existente. Dormi porque me entediou ver tantas homenagens de Dia dos Pais nas redes sociais. Isso não fazia sentido pra mim naquele momento e ainda não faz, mas agora, tantos séculos depois, finalmente deixou de fazer sentido para o resto da humanidade.

Agora as pessoas se amam simplesmente. Elas não precisam de datas para lembra-las disso. Muito menos de redes sociais para mostrar o como é grande o seu amor. Na verdade, perguntei sobre o amor para os seres que vivem aqui, onde ainda creio ser o planeta Terra, e eles nem sabem que palavra é essa. E nunca ouviram falar do Roberto Carlos.

Achei que tivesse morrido e chegado no que, no meu tempo, chamavam de paraíso. Mas me disseram que eu to viva. Na verdade, eles nem sabem o que é paraíso. Sim, ainda somos mortais, o planeta não aguentaria tanta gente. Mas os seres que vivem aqui se preocupam mais com o que podem fazer para melhorar suas vidas e a daqueles que convivem, do que com seres que supostamente estão em outros planos e com o que acontecerá quando tudo acabar.

Perguntei se eles sabiam o que era propriedade privada. Me olharam intrigados. Finalmente, em 3015, damos mais valor a vidas, do que a coisas. Quando contei que, no meu tempo, nós costumávamos amar (ah sim, tive que explicar o que era amor, nunca me imaginei tendo de fazer isso) algo que chamava dinheiro, porque comprava várias coisas, como casas que definiam se você era rico ou pobre e roupas que definiam se você era homem ou mulher, e por aí vai, eles ficaram boquiabertos. Eu disse que a gente comprava tudo, só não comprava solidariedade.

Foi difícil explicar o que era dia dos pais. Eles não sabiam nem o que era família. Muito menos família tradicional. É que aqui, eles simplesmente se amam, amam suas diferenças, como se fossem todos iguais. De repente, me bateu uma sede e pedi água. Fiquei triste ao perceber que eles também não sabiam o que era isso. Acabamos com a água. Tenho um pouco de medo de pensar com o que mais acabamos. Talvez tenhamos acabado com nós mesmos, ainda bem que eu dormi. Esses seres talvez tenham passado por uma nova seleção natural, talvez não sejam daqui, eu não saberia dizer.

Contei pra eles que, no meu tempo, existia uma coisa chamada esperança. Diziam que ela era a última que morria. Mas sempre achei que a esperança nem tivesse nascido. Parece que agora nasceu e que quem poderia morrer era eu. Sempre tive esperança de ver um mundo diferente, mas nunca achei que viveria para vê-lo. Ainda bem que eu dormi naquele domingo pedante, a preguiça daquele mundo era muito grande.

Contei pra eles que gostava de escrever e que, embora eu não estivesse entendendo grandes coisas sobre el_s, escreveria a respeito. Quando dormi, naquele domingo, tava sem ideia, sem saco, sem humor. Provavelmente não ia acabar escrevendo algo bom. Quando dormi, naquele dia, senti que a existência não se bastava, era algo que transbordava de maneira incompreensível e inexplicável, as vezes de um jeito bom, as vezes de um jeito ruim.

Mas aí acordei aqui, em meio a esse pessoal diferente. Esse pessoal que não sabe o que é amor, mas sabe amar. Que não sabe o que é família, mas vive como uma grande família. Que não sabe o que é Deus, mas vive num Éden muito menos hipócrita e muito mais altruísta. Esse pessoal que simplesmente vive. Como se só houvesse hoje, como se só houvesse essa vida, como se só houvesse essa Terra, como se só houvesse essa chance.


Eu, muito mais egoísta, muito mais hipócrita quanto aos meus erros, muito mais materialista, resolvi dormir de novo. Na falsa esperança de voltar para 2015, na falsa esperança de voltar para o mundo que me criou, a que eu pertenço. Eu nunca soube quem decide o quê para a humanidade, mas decidi que eles merecem viver sem o conhecimento da civilização que um dia aí habitou. Esse Éden não precisa de um novo fruto proibido.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Elogio à saudade

Saudade. A palavra que não tem tradução. Embora eu ache que os alemães discordariam. Um amigo alemão me ensinou duas palavras em alemão que poderiam ser equivalentes à saudade. Heimweh, que é tipo o homeless em inglês, e Sehnsucht. A tradução vulgar para a primeira expressão é comporta por dor e casa, algo como sentir falta da sua casa. A segunda expressão é desejo e vício, qualquer coisa que em alemão seja a saudade de algo viciante/que te faz bem. Ufa. Bom, diria Caetano que está provado que só é possível filosofar em alemão. Eu não ouso discordar.

Eu, pessoalmente, diria que nenhuma palavra é capaz de traduzir qualquer sentimento. Isso é um legítimo problema filosófico, pelo menos pra filosofia de buteco. Do tipo: a palavra “porta” designa um objeto que possuímos conhecimento material. É como se tivéssemos um arquivo na cabeça. “Porta” poderia designar infinitos tipos de porta e, contudo, porta, linguagem escrita, nunca poderá ser uma palavra E um objeto inanimado, que existe materialmente, ao mesmo tempo. Filosofia, como eu sempre digo, só faz sentido se não fizer sentido nenhum.

Enfim, acho que os sentimentos são tipo a porta, no meu exemplo. Sentimos, tentamos piamente estabelecer um entendimento deles, a partir de termos, conceitos e definições, mas mais fracassamos do que qualquer outra coisa. Somos portas para sentimentos. E porta-sentimentos. Mas voltemos à saudade, especificamente. Saudade é um sentimento complexo em sua natureza. É egoísta e traiçoeira.

Pois é, acho que a saudade tem um quê de ingratidão. Ingrata porque sentimos saudade daquilo que “possuímos”, mas que não está em nossa posse em determinado momento. Muito embora eu já tenha sentido saudade do que ainda não perdi. Não sei explicar. Me lembro que, certa vez, almoçando na frente da minha mãe, uma música, que ela costumava ouvir na minha infância, começou a tocar. E eu, sem nenhum motivo, comecei a chorar. Chorei de saudade. De saudade dela, da pessoa que estava na minha frente. Foi mais do que saudade, foi uma nostalgia, totalmente involuntária.

As pessoas insistem em explicar coisas que fogem a nossa compreensão a partir da espiritualidade, de outras entidades, outros seres. Sei lá. Acho nosso cérebro tão poderoso, nem sequer imaginamos do que nossa mente é capaz. Qual a porcentagem do cérebro que usamos mesmo? Déjà vu. Não, não tive um agora, mas taí outra sensação absurdamente incompreensível. Como também são os sonhos. Sentimos coisas incríveis e loucas, e as tememos.

Por temermos, tentamos defini-las, enquadra-las, reprimi-las. Devíamos apenas sentir, sentir com toda a sensibilidade possível. Sem tentar descrever. Como uma vez li sobre o amor, mas acho que não se limita só a ele, certas coisas não fazem sentido, fazem sentir. Tipo filosofar, em qualquer língua.

Porque a saudade me intriga, então, particularmente? Porque acho que é um sentimento mundano. A arrogância linguística do português em vangloriar a existência de uma palavra própria para o sentimento me faz crer que acabamos omitindo o que ela realmente significa. Em francês e em inglês, sentimos falta. Sim, juro que sou fã da palavra saudade, mas ela nada mais faz do que traduzir um sentimento de falta que, por extensão, tá atrelado ao sentimento de posse.

Saudade é traiçoeira porque a sentimos quando estamos longe, quase sempre porque desperta a sensação de que não aproveitamos o suficiente quando estamos perto. Sentimo-nos ingratos conosco mesmos, porque sabemos que só podemos sentir tanta saudade daquilo que bem-queremos. É traiçoeira porque se traveste de boazinha. Nos enganamos sempre, justamente porque pensamos que, se sentimos saudade, é porque é algo que fez ou faz bem. Mas, enquanto nos enganamos, ela nos dilacera.

A saudade é a amiga das incertezas. E insistimos em negar as incertezas. Por ironia, só temos uma certeza na vida, a que negamos mais que as incertezas. Por uma ironia tão irônica, essa certeza é a morte. A morte, que não tinha entrado na história, é melhor amiga da saudade.


Eu não sei como é sentir saudade em alemão. Nem filosofar. Mas sei um pouco como é em português e, devo dizer, eu não me basto para tanto sentir e pouco entender. Então é melhor eu concluir, sem nada concluir, para que cada um tire suas conclusões. Afinal, o objetivo aqui é esse mesmo. Desculpem se soei ingrata, caro leitor, é que até uma porta é capaz de entender.

domingo, 2 de agosto de 2015

I wanna be...vira-lata*

Existe uma coisa curiosa em nós, brasileir_s, e tem diferentes alcunhas. Complexo de inferioridade, complexo de vira-latas... Eu quase poderia apostar que tod_ brasiler_, pelo menos uma vez na vida, já se viu nessa situação, seja ouvindo, seja reproduzindo esse discurso. Pois é, Nelson, ser ou não ser vira-latas, eis ainda a nossa questão.

Ironicamente, Nelson Rodrigues escreveu a esse respeito quando observou a reação d_s brasileir_s frente à derrota por 2x1 contra o Uruguai, em casa, algumas boas décadas atrás. Fichinha, depois do ainda recente 7x1, hoje eternizado, também sofrido em casa. Embora eu seja menos patriota e menos fã de futebol que ele, e creio que o futebol é outra coisa nos tempos atuais, não é difícil discordar de uma coisa: também acho, Nelson, que temos dons em excesso, mas, tantos anos depois, o nosso complexo de vira-latas ainda nos impede de desenvolvê-los. E ainda é voluntário.

Eu completo: nosso complexo de vira-latas é diretamente proporcional a nossa falta de humildade. E explico. A verdade é que, quanto mais bradamos a nossa inferioridade, mais arrogantes somos perante nós, brasileir_s, e perante o mundo. Eu sinto vergonha. Vergonha porque muitas vezes eu mesma reproduzi esse tipo de discurso. Vergonha porque nos envergonhamos do que somos, quando essa nossa vergonha é que devia nos envergonhar. Vergonha porque precisei ir pra gringa pra ver que lá eles dão muito mais valor para alguns dos nossos bens culturais do que nós mesm_s.

Um exemplo disso são as inúmeras vezes que conheci gring_s que praticassem capoeira e grupos de capoeira que fazem muito sucesso fora, conquanto nós passemos batido quando algum grupo se apresenta nas ruas de algum centro. Quantos e quantos artistas brasileir_s não são primeiro reconhecidos lá, para depois serem aqui? Isso é reflexo em todas as partes. Meus amig_s do mundo da moda, por exemplo, sempre lamentam o fato de o Brasil não criar tendências, apenas importar, e que, portanto, a nossa filha única seja beach wear.

Pagamos caro por importação. Pagamos mesmo. Pagamos o preço de não criar, de não dar espaço para os nossos talentos. As únicas criações que não cansamos de reproduzir são o “tudo aqui é mais caro” e o “nada aqui funciona”. Aí tiramos férias, vamos pra gringolândia, e louvamos os festivais de música a céu aberto, em praça pública. Mas se isso acontece em São Paulo e se chama Virada Cultural, aí eu tenho medo, aí não me misturo.

Parabéns a nós, que só fazemos culpar a classe política (NOTA: por classe política se entende governantes, eleitos ou não) do nosso país e insistimos em não aceitar que eles nada mais são do que o nosso espelho. Literalmente, os nossos representantes. Parabéns a nós, que queremos que as coisas mudem, mas sem mudar nossas posições. Ou que elas mudem, para que tudo permaneça igual. Ou que tudo continue igual, para bradarmos a 7 ventos o quanto estávamos certos a respeito de pelo menos uma coisa, a nossa inferioridade. E, claro, para mostrar o quanto somos diferentes do resto d­­_s brasileir_s, que, na verdade, somos tod_s nós.

Não, patriotismo não é comigo. O patriota anda de mãos dadas com o idiota, em qualquer país. A sociedade deveria ser entendida como composta por pessoas, mais que por um Estado-nação. Portanto, acredito que temos muito a aprender, como seres humanos, com qualquer ser humano. Viajar e conhecer outras culturas é incrível por si só, como também é uma importante ferramenta para o auto-conhecimento cultural. Minha crítica aqui tem um ponto específico.


Peço licença pelas palavras a seguir e recomendo aos que condenam a liberdade de expressão, no seu sentido mais literal, que parem por aqui. Fica meu apelo àqueles que preferem gozar com o pau das grandes potências: façam suas malas e se mudem para esses países, sem ganir se os chutarem por serem os imigrantes vira-latas. Deixem o Brasil pra quem quer cuidar dele, pois, faço minhas as palavras de Tom Jobim, isso aqui não é pra principiantes.

*Eu quero ser...vira-lata