Nada
contra Deus. E nada contra os ateus. Mas nunca é demais retomar Hamlet – há
mais coisas entre o céu e a terra. E, contudo, as próximas linhas serão
dedicadas a esse assunto, de modo definitivo. Eu sei, é claro, que esse tema é daqueles-que-não-podem-ser-falados. Como sei, igualmente, que isso não deveria
importar para mais ninguém que não a mim. O fato é que ele, o assunto, não é
tão importante. Nem Ele, eventualmente. É paradoxal. Eu adoro paradoxos. E
adoro também crianças, adoro a sinceridade que elas têm. As crianças têm sempre
as perguntas mais profundas, as que exigem as respostas mais elaboradas.
Certa
vez algumas crianças com que trabalho me perguntaram se eu acreditava em Deus.
Eu disse que não. Elas ficaram um pouco surpresas e eu expliquei: “Eu acordo às
6h da manhã pra vir até aqui, ajudar vocês, sem ganhar 1 centavo. Não acreditar
em Deus me faz alguém melhor ou pior?”. A resposta talvez vocês já saibam. Uma
delas concluiu, então, que eu era ateia. Para fins explicativos, eu confirmei.
Mas devo dizer que esse termo ~não me representa~.
A
minha antropologia de buteco me ensinou que o que nos faz seres humanos não é somente
a razão em si, mas a nossa subjetividade. Morin nos mostra que a era do grande
cérebro, o marco do homo sapiens-demens, começa justamente com a sepultura,
naquele momento, o homem passa a denotar certa espiritualidade, a perceber o duplo e a distinguir a vida da morte. Passa a ter, em sua consciência, as noções de
transformação e de tempo. O homem passa a entender a ideia de finitude. Certa
vez, um amigo que entende bem mais de Antropologia que eu, me disse algo
interessante: quem acredita, não acredita completamente, e quem não acredita,
não desacredita completamente. Pra mim, isso é a síntese da subjetividade humana,
cuja característica elementar é a incerteza.
Em
outras palavras, não acredito que o ser humano esteja isento de
espiritualidade, seja ela entendida como for. Mas por que isso não é tão
importante ao mesmo tempo em que é a questão de maior importância para qualquer
ser humano? Porque pensar na morte, e o que pode existir depois, é uma questão
tão coerente quanto pensar no que vou almoçar amanhã sem nem ter almoçado hoje
ainda. É claro que não podemos ter todas as respostas, mas creio que elaborar
as perguntas é ainda o mais importante. No fundo, acho que certo tipo de
religiosidade é um eco do nosso ego, que teme o esquecimento. Se isentar de
religiosidades não significa que a vida perdeu o sentido, mas, antes, que ela
tem um significado ainda maior.
A
grande convicção dos sem-convicções é a necessidade de fazer cada oportunidade
valer a pena, aproveitar cada possibilidade e entender que a única certeza que
temos é essa vida e a certeza ainda maior é que ela pode acabar a qualquer
instante, portanto, não dá pra perder tempo com o que não tem remédio. Sempre
ouço coisas do tipo: “quero ver o dia que você encontrar com Deus...”. Bom, se
eu encontrar com ele, a gente vai trocar uma ideia muito interessante.
Pois
é, em várias circunstâncias me pego desejando estar enganada, esperando chegar o
momento do “juízo final” e encontrar Deus (um ser que poderia muito bem ser uma
trans ou uma entidade das tribos polinésias) sentad_ numa nuvem branca. Se isso
acontecer, ele poderá puxar pela minha
ficha que, sendo assim, sendo Rayssa, dei menos trabalho pra ele com as
minhas banalidades. Também não é muito improvável que eu tenha seguido mais “fielmente”
alguns preceitos do que muitos “fiéis”, mesmo sem intenção; e, ainda por cima,
considerei que ele não seria onipresente, portanto, tanto quanto pude, procurei
pessoalmente estar presente onde ele parecia estar ausente. Por coincidência,
em lugares onde as pessoas clamavam muito por ele. No final, acho que El_ vai me entender.