Chaplin
dizia que a vida é uma peça de teatro. E uma peça de teatro que não permite
ensaios. Pra mim, talvez ela seja um filme, aproveitando que o cinema é considerado a sétima arte. Um filme em que, as vezes, você
passa de protagonista a espectador.
Dias
atrás eu escrevi sobre Beckett, um grande dramaturgo. Dizia que uma
característica de suas personagens era justamente a incapacidade de ação, como modus operandis da vida. E que existia
certo otimismo nessa passividade. Pois é, eu, pretensamente, achei que tinha
entendido isso, como achei que entendia muitas outras coisas.
Mesmo
não fazendo sentido - ela, a vida - nós insistimos em buscá-lo. Hoje, minha
defesa é, justamente, em relação à não-busca. Nem sempre é ruim ser o espectador da própria vida. Em alguns momentos, pode ser tão bom quanto necessário.
A
vida transborda. As vezes até demais. Tipo aquele sorvete que você enche de
cobertura e não dá conta de terminar sem se melecar inteir_. Ou sou só eu que
passo por isso?
Fato
é: O protagonista não seria quem é sem seu público. Sem o próprio, o
espectador. Assistir também é, em certo sentido, atuar.
Talvez a vida funcione como um discurso indireto livre, aquele que a gente nunca sabe quando é o narrador quem está falando e quando é a personagem. Há uma constante interação
entre a primeira e a terceira pessoa. Entre a ação e a narrativa. Não por menos, esse é considerado o
discurso mais difícil de ser construído.
Seja
como for, é insana.
Outra coisa que me surpreende igualmente é a modernidade. Dia
desses, uma amiga me recomendou um aplicativo de meditação. Pois é, gostaria de
saber que tipo de aplicativo não existe ainda. Mesmo porque, se não existe, não
tem como sabermos. Mas bem, sou do tipo de pessoa Pessoa, tudo vale a pena, quando a alma não é pequena. Resolvi testar.
Durante
os 10 minutos diários dos 10 dias grátis, o aplicativo tem me ensinado algo
interessante. Se por vezes não conseguimos controlar nossos pensamentos,
devemos, então, apenas observá-los. Em alguns momentos, esse é o nosso papel,
simplesmente não atuar. Posso confirmar que, para os mais controladores, esse
papel é, no mínimo, o mais difícil.
Eu
demorei um bom tempo pra perceber que há beleza nisso. Há beleza na melancolia,
na passividade, na abstenção e, me disseram, há beleza também na dor. Essa eu ainda
não encontrei, mas a busca, essa sim, não pode parar de atuar. Então, já
cantava Cazuza, vida louca, vida; vida
breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve. Eu completo: Gostaria que você fosse um pouco mais leve.
Passagem das
Horas (trecho) – Álvaro de Campos
(...)
Viajei por mais
terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais
paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei
mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais
que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre
me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
(...)
Não sei se a
vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto
demais ou de menos, não sei
Se me falta
escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade
com o mistério das coisas, choque
Aos contatos,
sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra
significação para isto mais cômoda e feliz.
Seja o que for,
era melhor não ter nascido,
Porque, de tão
interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a
doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de
dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de
todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser
selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e
perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto
devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu
penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
(...)
Acenderam as
luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que
maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma
como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho
de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na
província,
Haver menos que
um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico,
fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre,
fica sempre, fica sempre,
Até à morte
fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...
(...)
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