domingo, 4 de outubro de 2015

Espectador atuante

Chaplin dizia que a vida é uma peça de teatro. E uma peça de teatro que não permite ensaios. Pra mim, talvez ela seja um filme, aproveitando que o cinema é considerado a sétima arte. Um filme em que, as vezes, você passa de protagonista a espectador.

Dias atrás eu escrevi sobre Beckett, um grande dramaturgo. Dizia que uma característica de suas personagens era justamente a incapacidade de ação, como modus operandis da vida. E que existia certo otimismo nessa passividade. Pois é, eu, pretensamente, achei que tinha entendido isso, como achei que entendia muitas outras coisas.

Mesmo não fazendo sentido - ela, a vida - nós insistimos em buscá-lo. Hoje, minha defesa é, justamente, em relação à não-busca. Nem sempre é ruim ser o espectador da própria vida. Em alguns momentos, pode ser tão bom quanto necessário.

A vida transborda. As vezes até demais. Tipo aquele sorvete que você enche de cobertura e não dá conta de terminar sem se melecar inteir_. Ou sou só eu que passo por isso?

Fato é: O protagonista não seria quem é sem seu público. Sem o próprio, o espectador. Assistir também é, em certo sentido, atuar.

Talvez a vida funcione como um discurso indireto livre, aquele que a gente nunca sabe quando é o narrador quem está falando e quando é a personagem. Há uma constante interação entre a primeira e a terceira pessoa. Entre a ação e a narrativa. Não por menos, esse é considerado o discurso mais difícil de ser construído.

Seja como for, é insana.

Outra coisa que me surpreende igualmente é a modernidade. Dia desses, uma amiga me recomendou um aplicativo de meditação. Pois é, gostaria de saber que tipo de aplicativo não existe ainda. Mesmo porque, se não existe, não tem como sabermos. Mas bem, sou do tipo de pessoa Pessoa, tudo vale a pena, quando a alma não é pequena. Resolvi testar.

Durante os 10 minutos diários dos 10 dias grátis, o aplicativo tem me ensinado algo interessante. Se por vezes não conseguimos controlar nossos pensamentos, devemos, então, apenas observá-los. Em alguns momentos, esse é o nosso papel, simplesmente não atuar. Posso confirmar que, para os mais controladores, esse papel é, no mínimo, o mais difícil.

Eu demorei um bom tempo pra perceber que há beleza nisso. Há beleza na melancolia, na passividade, na abstenção e, me disseram, há beleza também na dor. Essa eu ainda não encontrei, mas a busca, essa sim, não pode parar de atuar. Então, já cantava Cazuza, vida louca, vida; vida breve. Já que eu não posso te levar, quero que você me leve. Eu completo: Gostaria que você fosse um pouco mais leve.


Passagem das Horas (trecho) – Álvaro de Campos
(...)
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
(...)
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto demais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
(...)
Acenderam as luzes, cai a noite, a vida substitui-se.
Seja de que maneira for, é preciso continuar a viver.
Arde-me a alma como se fosse uma mão, fisicamente.
Estou no caminho de todos e esbarram comigo.
Minha quinta na província,
Haver menos que um comboio, uma diligência e a decisão de partir entre mim e ti.
Assim fico, fico... Eu sou o que sempre quer partir,
E fica sempre, fica sempre, fica sempre,
Até à morte fica, mesmo que parta, fica, fica, fica...

(...)

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