sábado, 26 de setembro de 2015

Les oiseaux

Pessoas envolvidas com qualquer expressão artística ou literária têm a minha admiração. Não é fácil transmitir a complexidade humana em palavras, melodias, encenações etc.

A arte tem esse poder e que bom que ela exista, porque, de fato, a vida não basta. E, como eu disse recentemente, viver custa caro. Acho que estamos pagando em dólar.

Fato é que a vida é uma coisinha meio esquizofrênica e, a todo momento, estamos tentando entende-la, mesmo sabendo, conscientemente, que nunca vamos conseguir. E nessas tentativas vãs, é sempre bom quando se encontra um filme, uma poesia ou uma música que pareçam traduzir o que sentimos. É verdade que isso nos gera um falso conforto, mas ao menos sabemos que aquela loucura toda faz sentido pra alguém e, portanto, não estamos sozinhos. Amém.

Então, car_s, me deparei com Birdman. Pois é, muitos reclamaram desse filme, inclusive eu, em alguns momentos, nem tanto por ter gostado ou não, mas, sobretudo, porque preferia que o Grande Hotel Budapeste tivesse levado o Oscar.

Pois bem, a meu ver, Birdman tem algo de brilhante. E eu sei que, provavelmente, outros cumpririam com maior primor a sua função. Mas sua desconexão e um roteiro ~aparentemente~ nonsense me agradam. Talvez porque a vida, além de não bastar e ser cara, ainda por cima não faz o menor sentido.

Talvez porque, como Birdman, todos tenhamos nosso auge. A vida é uma roda-gigante, tá certo, metáfora mais batida e clichê, mas o topo do mundo é atraente. E quanto mais alto, maior a queda. Simplesmente perder o auge implica igualmente perder o rumo.

Como para Birdman, a vida, para _s mais ansios_s, parece uma sequência quase sem cortes em que, as vezes, uma-sucessão-imensa-de-acontecimentos-se-passa-em-um-curto-espaço-de-tempo-sem-te-dar-um-intervalo-pra-absorver-todas-as-informações.

Ainda por cima, brigamos o tempo todo com o nosso próprio Birdman, interior e irrequieto, um turbilhão de pensamentos, sentimentos e sensações que gritam dentro de você, mas só você consegue ouvir.

Birdman morreu. Mas continuou vivo. E viveu quando todos o pensaram morto. Porque, como já diria Heráclito, vivemos de morte e morremos de vida.

Quando vi Birdman pela primeira vez, entendi como uma metáfora à prepotência humana. Em certa medida, ainda continuo achando isso, mesmo porque, ninguém escapa à prepotência, seja ela como for, em algum momento da vida. Talvez a prepotência de achar que temos o controle de tudo, de esquecer que a vida é cíclica; a prepotência de saber que tivemos a felicidade e sabíamos, e nos iludimos achando que nunca iríamos perdê-la.

Às vezes, é preciso simplesmente não entender. É preciso simplesmente sentir. É preciso, como Birdman, escapar de si mesmo, antes que se torne seu próprio prisioneiro.


“Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha...

E hoje, dos meu cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!

Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!”

- Mario Quintana

terça-feira, 15 de setembro de 2015

À la vida

Thoreau certa vez escreveu:

“Fui à floresta porque queria viver deliberadamente, encarar apenas os fatos essenciais da vida, e ver se eu poderia aprender o que ela tinha a ensinar, e não, quando eu vier a morrer, descobrir que nunca vivi. Eu não desejei viver o que não era vida, estar vivendo me é tão caro; nem desejei praticar a resignação, a menos que fosse necessário. Eu queria viver profundamente e sugar toda a essência da vida, viver tão robustamente tal qual um espartano e jogar fora tudo o que não era vida (…)”.

Um amigo me enviou isso porque lembrara do último texto que eu escrevi. Gratidão.

Se não dissessem que era Thoreau quem escreveu, eu quase poderia dizer que tinha sido eu. Inclusive pela circunstância. Mas não quero soar pretensiosa.

Minha última viagem teve um pouco desse intuito. Queria viver, deliberar, encarar a essência. Queria, mais do que nunca, ter a certeza de que estou vivendo, não apenas existindo. Viver também me é caro.

É caro e doloroso.

Doloroso quando conhecidos simplesmente se tornam desconhecidos. Doloroso quando se descobre que reciprocidade é exceção, não regra. Doloroso perceber que essa (anti) regra também se aplique à amizade. Doloroso quando, ao tentar acertar, você descobre que também erra. E também machuca. Doloroso que tudo o que resta sejam incertezas, mesmo sabendo que, na vida, a única certeza que temos é a morte. Dolorosa a morte, mais dolorosa ainda a vida.

Viver é um desafio lindo e traiçoeiro. Assim como Thoreau, meu maior medo é descobrir que nunca vivi. Ou pior, que vivi restrita as minhas convicções. Thoreau morreu aos 44 anos. Talvez tenha valido mais viver 44 anos em essência, do que valeria viver 80, em aparência.

É preciso ir para o meio do nada, próximo à vida “selvagem”, para se perceber o quão bichos nós somos, em verdade, na selva de pedras. Uma ovelha desgarrada pode descobrir muita vida fora do rebanho.

Isso soa um tanto niilista, um tanto pessimista. Talvez soe apenas melancólico. Talvez pudesse ser um pouco de Beckett, cujas personagens, de certa forma, encontram o otimismo justamente na inerência de esperar. Em outras palavras, o que tem sentido é a permanência, essa temporalidade infernal cuja ação é passiva, cuja resistência é a desistência, cuja existência é a única alternativa. Por isso, continuemos.

Continuemos na incapacidade de ação, continuemos através da razão inercial. Continuemos porque, ao contrário de Getúlio, não podemos sair da vida, para entrar pra história. Eu continuo. E continuo querendo sugar todo ensinamento que a vida possa dar, à la Thoreau. Sem mania de grandeza, à la Beckett. Sabendo que, ao final, eu possa descobrir que me enganei. Ao menos terei a certeza de ter feito alguma coisa muito bem, exatamente essa: Ter me enganado. À la Rayssa.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Falta? Amor. Existe? Exílio. Canção? Da cidade.

Pela estrada afora, uma menina sonha sozinha.

Sonhava em desaprender coisas que não compreendia... Ganância.
Sonhava com um mundo em que se viveria de essência, mas só se via aparência.
Sonhava que o amor venceria a dor... Tinha ânsia.

Ganância, aparência... Dava ânsia.

O que falta nessa cidade? Dizem que amor.

Mas sua cidade tinha caixas de metal, onde é ouvido quem buzina mais alto.
As aves não mais gorjeiam... Rareiam.
Os céus não têm estrelas, só fumaça e arranha-céu mesmo.
As várzeas têm resíduos tóxicos.
Os bosques perdem vida... Incendeiam.
Nossas vidas privatizaram os amores.

Pudera, caro Oswald, ter morrido sem ver o progresso de São Paulo. Muito ao Oriente, se chega ao Ocidente. Progresso pelo progresso e o mundo acabará em regresso.

Não existe amor em EssePê? Não existe amor. Não existe EssePê.
Licença. Oswald, Carlos, Vinicius, Boca do Inferno, Criolo e tantos outros. É difícil resistir a uma tentativa de paródia.

O sonho já acabou? Esmaeceu.
O Boca do Inferno se calou. O sabiá? Não sabia assobiar. E minha mãe dizia que se eu não ficasse quieta, iria apanhar. Mas ela fazia isso só pra rimar.

Minha terra não tem palmeiras, porque sou corinthiana. E até essa paródia já fizeram.

Mas eu escrevo o que quiser, porque o texto é meu.
O sonho é meu.

E a menina... Bom, a menina sempre serei eu.