domingo, 9 de agosto de 2015

3015

Acordei e olhei em volta. 1000 anos se passaram. É domingo.

No dia que eu dormi, era dia dos pais. E a internet era o maior bem existente. Dormi porque me entediou ver tantas homenagens de Dia dos Pais nas redes sociais. Isso não fazia sentido pra mim naquele momento e ainda não faz, mas agora, tantos séculos depois, finalmente deixou de fazer sentido para o resto da humanidade.

Agora as pessoas se amam simplesmente. Elas não precisam de datas para lembra-las disso. Muito menos de redes sociais para mostrar o como é grande o seu amor. Na verdade, perguntei sobre o amor para os seres que vivem aqui, onde ainda creio ser o planeta Terra, e eles nem sabem que palavra é essa. E nunca ouviram falar do Roberto Carlos.

Achei que tivesse morrido e chegado no que, no meu tempo, chamavam de paraíso. Mas me disseram que eu to viva. Na verdade, eles nem sabem o que é paraíso. Sim, ainda somos mortais, o planeta não aguentaria tanta gente. Mas os seres que vivem aqui se preocupam mais com o que podem fazer para melhorar suas vidas e a daqueles que convivem, do que com seres que supostamente estão em outros planos e com o que acontecerá quando tudo acabar.

Perguntei se eles sabiam o que era propriedade privada. Me olharam intrigados. Finalmente, em 3015, damos mais valor a vidas, do que a coisas. Quando contei que, no meu tempo, nós costumávamos amar (ah sim, tive que explicar o que era amor, nunca me imaginei tendo de fazer isso) algo que chamava dinheiro, porque comprava várias coisas, como casas que definiam se você era rico ou pobre e roupas que definiam se você era homem ou mulher, e por aí vai, eles ficaram boquiabertos. Eu disse que a gente comprava tudo, só não comprava solidariedade.

Foi difícil explicar o que era dia dos pais. Eles não sabiam nem o que era família. Muito menos família tradicional. É que aqui, eles simplesmente se amam, amam suas diferenças, como se fossem todos iguais. De repente, me bateu uma sede e pedi água. Fiquei triste ao perceber que eles também não sabiam o que era isso. Acabamos com a água. Tenho um pouco de medo de pensar com o que mais acabamos. Talvez tenhamos acabado com nós mesmos, ainda bem que eu dormi. Esses seres talvez tenham passado por uma nova seleção natural, talvez não sejam daqui, eu não saberia dizer.

Contei pra eles que, no meu tempo, existia uma coisa chamada esperança. Diziam que ela era a última que morria. Mas sempre achei que a esperança nem tivesse nascido. Parece que agora nasceu e que quem poderia morrer era eu. Sempre tive esperança de ver um mundo diferente, mas nunca achei que viveria para vê-lo. Ainda bem que eu dormi naquele domingo pedante, a preguiça daquele mundo era muito grande.

Contei pra eles que gostava de escrever e que, embora eu não estivesse entendendo grandes coisas sobre el_s, escreveria a respeito. Quando dormi, naquele domingo, tava sem ideia, sem saco, sem humor. Provavelmente não ia acabar escrevendo algo bom. Quando dormi, naquele dia, senti que a existência não se bastava, era algo que transbordava de maneira incompreensível e inexplicável, as vezes de um jeito bom, as vezes de um jeito ruim.

Mas aí acordei aqui, em meio a esse pessoal diferente. Esse pessoal que não sabe o que é amor, mas sabe amar. Que não sabe o que é família, mas vive como uma grande família. Que não sabe o que é Deus, mas vive num Éden muito menos hipócrita e muito mais altruísta. Esse pessoal que simplesmente vive. Como se só houvesse hoje, como se só houvesse essa vida, como se só houvesse essa Terra, como se só houvesse essa chance.


Eu, muito mais egoísta, muito mais hipócrita quanto aos meus erros, muito mais materialista, resolvi dormir de novo. Na falsa esperança de voltar para 2015, na falsa esperança de voltar para o mundo que me criou, a que eu pertenço. Eu nunca soube quem decide o quê para a humanidade, mas decidi que eles merecem viver sem o conhecimento da civilização que um dia aí habitou. Esse Éden não precisa de um novo fruto proibido.

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