Acordei
e olhei em volta. 1000 anos se passaram. É domingo.
No
dia que eu dormi, era dia dos pais. E a internet era o maior bem existente.
Dormi porque me entediou ver tantas homenagens de Dia dos Pais nas redes
sociais. Isso não fazia sentido pra mim naquele momento e ainda não faz, mas
agora, tantos séculos depois, finalmente deixou de fazer sentido para o resto
da humanidade.
Agora
as pessoas se amam simplesmente. Elas não precisam de datas para lembra-las
disso. Muito menos de redes sociais para mostrar o como é grande o seu amor. Na verdade, perguntei sobre o amor para os seres que
vivem aqui, onde ainda creio ser o planeta Terra, e eles nem sabem que palavra
é essa. E nunca ouviram falar do Roberto Carlos.
Achei
que tivesse morrido e chegado no que, no meu tempo, chamavam de paraíso. Mas me
disseram que eu to viva. Na verdade, eles nem sabem o que é paraíso. Sim, ainda
somos mortais, o planeta não aguentaria tanta gente. Mas os seres que vivem
aqui se preocupam mais com o que podem fazer para melhorar suas vidas e a
daqueles que convivem, do que com seres que supostamente estão em outros planos
e com o que acontecerá quando tudo acabar.
Perguntei
se eles sabiam o que era propriedade privada. Me olharam intrigados. Finalmente,
em 3015, damos mais valor a vidas, do que a coisas. Quando contei que, no meu
tempo, nós costumávamos amar (ah sim, tive que explicar o que era amor, nunca me
imaginei tendo de fazer isso) algo que chamava dinheiro, porque comprava várias
coisas, como casas que definiam se você era rico ou pobre e roupas que definiam se você era homem ou mulher, e por aí vai, eles ficaram boquiabertos. Eu disse que a gente
comprava tudo, só não comprava solidariedade.
Foi
difícil explicar o que era dia dos pais. Eles não sabiam nem o que era família.
Muito menos família tradicional. É que aqui, eles simplesmente se amam, amam suas diferenças, como se fossem todos iguais. De
repente, me bateu uma sede e pedi água. Fiquei triste ao perceber que eles
também não sabiam o que era isso. Acabamos com a água. Tenho um pouco de medo
de pensar com o que mais acabamos. Talvez tenhamos acabado com nós mesmos, ainda bem que eu dormi. Esses seres talvez tenham passado por uma nova seleção
natural, talvez não sejam daqui, eu não saberia dizer.
Contei
pra eles que, no meu tempo, existia uma coisa chamada esperança. Diziam que ela
era a última que morria. Mas sempre achei que a esperança nem tivesse nascido.
Parece que agora nasceu e que quem poderia morrer era eu. Sempre tive esperança
de ver um mundo diferente, mas nunca achei que viveria para vê-lo. Ainda bem que
eu dormi naquele domingo pedante, a preguiça daquele mundo era muito grande.
Contei
pra eles que gostava de escrever e que, embora eu não estivesse entendendo
grandes coisas sobre el_s, escreveria a respeito. Quando dormi, naquele
domingo, tava sem ideia, sem saco, sem humor. Provavelmente não ia acabar
escrevendo algo bom. Quando dormi, naquele dia, senti que a existência não se bastava, era algo que transbordava de maneira incompreensível e inexplicável,
as vezes de um jeito bom, as vezes de um jeito ruim.
Mas
aí acordei aqui, em meio a esse pessoal diferente. Esse pessoal que não sabe o
que é amor, mas sabe amar. Que não sabe o que é família, mas vive como uma
grande família. Que não sabe o que é Deus, mas vive num Éden muito menos hipócrita
e muito mais altruísta. Esse pessoal que simplesmente vive. Como se só houvesse
hoje, como se só houvesse essa vida, como se só houvesse essa Terra, como se só
houvesse essa chance.
Eu,
muito mais egoísta, muito mais hipócrita quanto aos meus erros, muito mais
materialista, resolvi dormir de novo. Na falsa esperança de voltar para 2015, na
falsa esperança de voltar para o mundo que me criou, a que eu pertenço. Eu
nunca soube quem decide o quê para a humanidade, mas decidi que eles merecem viver
sem o conhecimento da civilização que um dia aí habitou. Esse Éden não precisa
de um novo fruto proibido.
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