quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Elogio à saudade

Saudade. A palavra que não tem tradução. Embora eu ache que os alemães discordariam. Um amigo alemão me ensinou duas palavras em alemão que poderiam ser equivalentes à saudade. Heimweh, que é tipo o homeless em inglês, e Sehnsucht. A tradução vulgar para a primeira expressão é comporta por dor e casa, algo como sentir falta da sua casa. A segunda expressão é desejo e vício, qualquer coisa que em alemão seja a saudade de algo viciante/que te faz bem. Ufa. Bom, diria Caetano que está provado que só é possível filosofar em alemão. Eu não ouso discordar.

Eu, pessoalmente, diria que nenhuma palavra é capaz de traduzir qualquer sentimento. Isso é um legítimo problema filosófico, pelo menos pra filosofia de buteco. Do tipo: a palavra “porta” designa um objeto que possuímos conhecimento material. É como se tivéssemos um arquivo na cabeça. “Porta” poderia designar infinitos tipos de porta e, contudo, porta, linguagem escrita, nunca poderá ser uma palavra E um objeto inanimado, que existe materialmente, ao mesmo tempo. Filosofia, como eu sempre digo, só faz sentido se não fizer sentido nenhum.

Enfim, acho que os sentimentos são tipo a porta, no meu exemplo. Sentimos, tentamos piamente estabelecer um entendimento deles, a partir de termos, conceitos e definições, mas mais fracassamos do que qualquer outra coisa. Somos portas para sentimentos. E porta-sentimentos. Mas voltemos à saudade, especificamente. Saudade é um sentimento complexo em sua natureza. É egoísta e traiçoeira.

Pois é, acho que a saudade tem um quê de ingratidão. Ingrata porque sentimos saudade daquilo que “possuímos”, mas que não está em nossa posse em determinado momento. Muito embora eu já tenha sentido saudade do que ainda não perdi. Não sei explicar. Me lembro que, certa vez, almoçando na frente da minha mãe, uma música, que ela costumava ouvir na minha infância, começou a tocar. E eu, sem nenhum motivo, comecei a chorar. Chorei de saudade. De saudade dela, da pessoa que estava na minha frente. Foi mais do que saudade, foi uma nostalgia, totalmente involuntária.

As pessoas insistem em explicar coisas que fogem a nossa compreensão a partir da espiritualidade, de outras entidades, outros seres. Sei lá. Acho nosso cérebro tão poderoso, nem sequer imaginamos do que nossa mente é capaz. Qual a porcentagem do cérebro que usamos mesmo? Déjà vu. Não, não tive um agora, mas taí outra sensação absurdamente incompreensível. Como também são os sonhos. Sentimos coisas incríveis e loucas, e as tememos.

Por temermos, tentamos defini-las, enquadra-las, reprimi-las. Devíamos apenas sentir, sentir com toda a sensibilidade possível. Sem tentar descrever. Como uma vez li sobre o amor, mas acho que não se limita só a ele, certas coisas não fazem sentido, fazem sentir. Tipo filosofar, em qualquer língua.

Porque a saudade me intriga, então, particularmente? Porque acho que é um sentimento mundano. A arrogância linguística do português em vangloriar a existência de uma palavra própria para o sentimento me faz crer que acabamos omitindo o que ela realmente significa. Em francês e em inglês, sentimos falta. Sim, juro que sou fã da palavra saudade, mas ela nada mais faz do que traduzir um sentimento de falta que, por extensão, tá atrelado ao sentimento de posse.

Saudade é traiçoeira porque a sentimos quando estamos longe, quase sempre porque desperta a sensação de que não aproveitamos o suficiente quando estamos perto. Sentimo-nos ingratos conosco mesmos, porque sabemos que só podemos sentir tanta saudade daquilo que bem-queremos. É traiçoeira porque se traveste de boazinha. Nos enganamos sempre, justamente porque pensamos que, se sentimos saudade, é porque é algo que fez ou faz bem. Mas, enquanto nos enganamos, ela nos dilacera.

A saudade é a amiga das incertezas. E insistimos em negar as incertezas. Por ironia, só temos uma certeza na vida, a que negamos mais que as incertezas. Por uma ironia tão irônica, essa certeza é a morte. A morte, que não tinha entrado na história, é melhor amiga da saudade.


Eu não sei como é sentir saudade em alemão. Nem filosofar. Mas sei um pouco como é em português e, devo dizer, eu não me basto para tanto sentir e pouco entender. Então é melhor eu concluir, sem nada concluir, para que cada um tire suas conclusões. Afinal, o objetivo aqui é esse mesmo. Desculpem se soei ingrata, caro leitor, é que até uma porta é capaz de entender.

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