quarta-feira, 29 de julho de 2015

O lado de lá eu vou ver quando chegar

Nada contra Deus. E nada contra os ateus. Mas nunca é demais retomar Hamlet – há mais coisas entre o céu e a terra. E, contudo, as próximas linhas serão dedicadas a esse assunto, de modo definitivo. Eu sei, é claro, que esse tema é daqueles-que-não-podem-ser-falados. Como sei, igualmente, que isso não deveria importar para mais ninguém que não a mim. O fato é que ele, o assunto, não é tão importante. Nem Ele, eventualmente. É paradoxal. Eu adoro paradoxos. E adoro também crianças, adoro a sinceridade que elas têm. As crianças têm sempre as perguntas mais profundas, as que exigem as respostas mais elaboradas.

Certa vez algumas crianças com que trabalho me perguntaram se eu acreditava em Deus. Eu disse que não. Elas ficaram um pouco surpresas e eu expliquei: “Eu acordo às 6h da manhã pra vir até aqui, ajudar vocês, sem ganhar 1 centavo. Não acreditar em Deus me faz alguém melhor ou pior?”. A resposta talvez vocês já saibam. Uma delas concluiu, então, que eu era ateia. Para fins explicativos, eu confirmei. Mas devo dizer que esse termo ~não me representa~.

A minha antropologia de buteco me ensinou que o que nos faz seres humanos não é somente a razão em si, mas a nossa subjetividade. Morin nos mostra que a era do grande cérebro, o marco do homo sapiens-demens, começa justamente com a sepultura, naquele momento, o homem passa a denotar certa espiritualidade, a perceber o duplo e a distinguir a vida da morte. Passa a ter, em sua consciência, as noções de transformação e de tempo. O homem passa a entender a ideia de finitude. Certa vez, um amigo que entende bem mais de Antropologia que eu, me disse algo interessante: quem acredita, não acredita completamente, e quem não acredita, não desacredita completamente. Pra mim, isso é a síntese da subjetividade humana, cuja característica elementar é a incerteza.

Em outras palavras, não acredito que o ser humano esteja isento de espiritualidade, seja ela entendida como for. Mas por que isso não é tão importante ao mesmo tempo em que é a questão de maior importância para qualquer ser humano? Porque pensar na morte, e o que pode existir depois, é uma questão tão coerente quanto pensar no que vou almoçar amanhã sem nem ter almoçado hoje ainda. É claro que não podemos ter todas as respostas, mas creio que elaborar as perguntas é ainda o mais importante. No fundo, acho que certo tipo de religiosidade é um eco do nosso ego, que teme o esquecimento. Se isentar de religiosidades não significa que a vida perdeu o sentido, mas, antes, que ela tem um significado ainda maior.

A grande convicção dos sem-convicções é a necessidade de fazer cada oportunidade valer a pena, aproveitar cada possibilidade e entender que a única certeza que temos é essa vida e a certeza ainda maior é que ela pode acabar a qualquer instante, portanto, não dá pra perder tempo com o que não tem remédio. Sempre ouço coisas do tipo: “quero ver o dia que você encontrar com Deus...”. Bom, se eu encontrar com ele, a gente vai trocar uma ideia muito interessante.

Pois é, em várias circunstâncias me pego desejando estar enganada, esperando chegar o momento do “juízo final” e encontrar Deus (um ser que poderia muito bem ser uma trans ou uma entidade das tribos polinésias) sentad_ numa nuvem branca. Se isso acontecer, ele poderá puxar pela minha ficha que, sendo assim, sendo Rayssa, dei menos trabalho pra ele com as minhas banalidades. Também não é muito improvável que eu tenha seguido mais “fielmente” alguns preceitos do que muitos “fiéis”, mesmo sem intenção; e, ainda por cima, considerei que ele não seria onipresente, portanto, tanto quanto pude, procurei pessoalmente estar presente onde ele parecia estar ausente. Por coincidência, em lugares onde as pessoas clamavam muito por ele. No final, acho que El_ vai me entender.

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