Manifesto
à literalidade. Eu sei, o termo soa estranho, mas eu verifiquei. E se não
existisse, eu me permitiria esse neologismo. E vou começar com um desabafo. Se
tem uma coisa que me irrita no mundo (e, na verdade, têm várias coisas), é o
desuso do sentido literal. Só aceito a substituição do uso do sentido literal
pelo uso do sarcasmo, porque sarcasmo (ironia inclusa) é um excelente recurso
expressivo, embora cada vez menos compreendido. Se também cair em desuso, parem
o mundo pra eu descer.
E,
que fique claro, sou uma defensora do uso de variados recursos linguísticos, como
analogias, alegorias e metáforas, que, em muitos casos, soam mais interessantes,
mas, cotidianamente, são igualmente pouco utilizados e ainda menos
compreendidos que o sarcasmo.
Meu
apelo é, por assim dizer, mais literal. “Será que fulan_ vai entender x, se
eu disser y?” – Não. Fulan_ só vai entender x se você disser x. A qualidade
literal anda paripassu com a sinceridade.
E, convenhamos, a nossa afinidade com pessoas sinceras é diretamente
proporcional a nossa hipocrisia quando dizemos que adoramos sinceridade, mas
ficamos mais felizes em ouvir aquilo que queremos. Minhas sinceras desculpas,
mas não entra na minha cabeça o porquê de as pessoas fazerem determinadas perguntas se não aguentam as respostas diretas, cravadas e claras.
Literalidade
podia mudar de nome. Literaridade. É isso, esse termo só podia derivar
neologismos. E é claro (ou será que não é?), dizer algo l-i-t-e-r-a-l-m-e-n-t-e
pressupõe que o entendimento de seu significado seja óbvio e, no entanto,
obviedade é uma questão de referencial. Ou seja, o que é óbvio para alguém
depende do seu contexto, de sua bagagem, então pode não ser óbvio para
outrem. Meu professor de filosofia costumava usar o seguinte jargão: o óbvio é, quase sempre, o mais difícil de enxergar.
Eu,
particularmente, entendo isso literalmente.
Sobretudo quando me obrigam a resolver um problema de lógica, porque problemas
de lógica são extremamente traiçoeiros. Se você não mata a charada logo de
cara, é pouco provável que resolverá a questão quebrando a cabeça. E isso tudo é tão polêmico que o nosso mano Aristóteles já se propunha à discussão,
mostrando que a lógica seria um elemento ligado ao pensamento, em que, de
alguma forma, a análise causal da construção de um raciocínio poderia levar à
verificação da veracidade do mesmo. É por aí e é confuso mesmo, senão não seria
filosofia.
Um
exemplo disso: o tal de silogismo. E eu vou exemplificar o exemplo. Todo mundo
já ouviu uma vez na vida algo do tipo: “Disseram-me que sou ninguém. Ninguém é
perfeito. Logo, eu sou perfeito. Mas só Deus é perfeito. Então eu sou Deus”.
Pronto, nada mais literal e lógico que esse tipo de raciocínio.
Fato
é que a literalidade entrou em extinção em algum momento da história da
humanidade. E relativizaram tanto o ~sentido literal~ que ele acabou,
literalmente, sem sentido. Então várias vezes eu ouço desabafos de amig_s que
começam, precisamente, com o seguinte postulado: “O que fulan_ quis dizer quando
disse...?”. E essa pergunta é duplamente problemática quando atentamos à
cultura do estupro que vivemos em uma sociedade ainda muito machista. Para
exemplificar sob esse outro viés, fica aqui o meu humilde apelo a um neo(si)logismo
aristotélico: x convidou y para sair; y disse não; então y quis dizer,
literalmente, não.
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