domingo, 26 de julho de 2015

Utopia do amor

A gente cansa de ver nos noticiários, redes sociais e banheiros da vida vários embates a respeito de diferenças políticas, religiosas e tudo o mais. Vários tabus. Mas, na minha nada humilde opinião, existe um tabu que está acima da nossa vã compreensão e que simplesmente não sabemos como encarar: o amor.

Sim, falar de amor é o clichê mais tabu que existe. Ou o tabu mais clichê, tanto faz. O amor é tipo “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. O amor. Como a maioria das coisas que lidamos no dia-a-dia, o amor virou isso, virou coisa. E, na era dos avatares digitais, o amor não pode simplesmente ser o fogo-que-arde-sem-se-ver, ele tem que existir materialmente, ser registrado e postado no maior número de redes sociais possível.

Ok, esse papo vai longe e minha finalidade, por ora, não é essa. Eu acho a incompletude humana incrível; a incerteza, fundamental. Mas parece que estamos obstinados a sempre exteriorizar tudo o que fazemos, somos e sentimos, como que pra dizer para nós mesmos: “se eu falhar, tá de boa, aquilo era inatingível mesmo”. Digo isso porque sou defensora de certo pragmatismo. Esse papo de se auto-enganar para se auto-afirmar, pra mim, é auto-flagelo.

Sejamos minimamente práticos, então. Sentimentos são processos mentais, sim, como também são fisiológicos. Eu não me atreverei a enveredar pela biologia, matéria que nunca foi das minhas favoritas, mas a Ocitocina, por exemplo, é um hormônio muitas vezes chamado de “hormônio do amor”. O amor pode ser várias coisas. E ninguém é só amor. A psicanálise diria que somos metade amor, metade ódio. O mano do platos grande, Platão, nos apresentou 3 formas de amor, Eros, Ágape e Filia. Amor pode ser tudo, mas insistimos que seja nada. Ou quase nada.

É, eu acho que a nossa cultura supervaloriza um “amor ideal”. O resultado: passamos a vida à procura disso e não aproveitamos os “pedaços de amor” que aparecem no meio do caminho. É tipo a busca pela tal da felicidade, outra coisa que dizem que existe por si só, tipo pote de ouro no final do arco-íris. Não nascemos amando, aprendemos a amar. Ou deveríamos. Mas parece que passamos a vida nos esquivando do amor, pensando evitar o inevitável, o sofrimento. Poderíamos descobrir o amor em pequenas paixões e amá-las mais do que evita-las. Poderíamos realmente desfrutar o amor de um bichinho de estimação e estimá-los como parte de nós, não tratá-los como coisa. Poderíamos amar mais as pessoas e entender que elas são como nós, passíveis de erros, ao invés de julgar toda a humanidade por todos os erros, inclusive os nossos.

Sei lá, quando eu era pequena, toda vez que ganhava um presente novo, fosse roupa, fosse brinquedo, fosse o que fosse, eu dava um beijo, como que para expressar minha gratidão. Eu cresci e me tornei menos materialista, porém, menos grata com aquilo me faz bem. As ciências sociais me ensinaram que precisamos de ordem para viver em sociedade e uma das formas de fazermos isso é codificando várias coisas, inclusive os comportamentos. É como se houvessem regras para dizer se algo é ou não socialmente aceito. Pelo menos sempre entendi assim e sempre achei um problema.

Não entendo o porquê de as pessoas gostarem de definir quais as formas de amar, sem, muitas vezes, terem definido as suas próprias formas de amor. Talvez eu seja imatura demais para isso. Mas, cá entre nós, sempre achei a vida adulta um porre e ninguém discorda que as crianças são muito mais pró na arte de amar. Porque ninguém as ensinou a “desamar”.

Assim, para não desamar, desconstruamos o amor. O amor-tradicional, o amor-cinderela, o amor-heteronormativo, o amor-machista, o amor-monogâmico, o amor-possessivo. Desconstruamos o amor-utopia. Eu sou uma defensora das utopias, mas a utopia do amor nos cega frente aos demais amores, aos amores imperfeitos.

É Carlos*, esse anjo que te mandou ser gauche na vida, também me encontrou. E me fez como ele, torta. Mas, meu caro Carlos, no meio do caminho sempre tem alguma coisa. Eu, gauche que sou, escolhi ressignificar o amor, construir do meu jeito, mas não sem a ajuda dele. Ele, que de tão ele, merece mais do que palavras clichês de amor-utopia. Ele mesmo, que merece que eu sinta mais do que fale. Sim, ele, que é a linha reta, enquanto eu sou um ponto que errou a curva. Mas ele, que tá ok com isso. Ele que, mais novo que eu, não aprendeu a desamar e ainda embarcou na minha viagem de desconstrução do amor. Ele que, não contente, ainda me levou de volta à infância só pra tirar as teias daquela gratidão que eu possuía outrora. Ele, que sabe que eu tô falando dele.

*Referência aos poemas de Carlos Drummond de Andrade, Poema de Sete Faces No Meio do Caminho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário