A
gente cansa de ver nos noticiários, redes sociais e banheiros da vida vários
embates a respeito de diferenças políticas, religiosas e tudo o mais. Vários
tabus. Mas, na minha nada humilde opinião, existe um tabu que está acima da
nossa vã compreensão e que simplesmente não sabemos como encarar: o amor.
Sim,
falar de amor é o clichê mais tabu que existe. Ou o tabu mais clichê, tanto
faz. O amor é tipo “nunca vi, nem comi, eu só ouço falar”. O amor. Como a
maioria das coisas que lidamos no dia-a-dia, o amor virou isso, virou coisa. E,
na era dos avatares digitais, o amor não pode simplesmente ser o
fogo-que-arde-sem-se-ver, ele tem que existir materialmente, ser registrado e
postado no maior número de redes sociais possível.
Ok,
esse papo vai longe e minha finalidade, por ora, não é essa. Eu acho a
incompletude humana incrível; a incerteza, fundamental. Mas parece que estamos
obstinados a sempre exteriorizar tudo o que fazemos, somos e sentimos, como que
pra dizer para nós mesmos: “se eu falhar, tá de boa, aquilo era inatingível
mesmo”. Digo isso porque sou defensora de certo pragmatismo. Esse papo de se
auto-enganar para se auto-afirmar, pra mim, é auto-flagelo.
Sejamos
minimamente práticos, então. Sentimentos são processos mentais, sim, como
também são fisiológicos. Eu não me atreverei a enveredar pela biologia, matéria
que nunca foi das minhas favoritas, mas a Ocitocina, por exemplo, é um hormônio
muitas vezes chamado de “hormônio do amor”. O amor pode ser várias coisas. E
ninguém é só amor. A psicanálise diria que somos metade amor, metade ódio. O mano do
platos grande, Platão, nos apresentou 3 formas de amor, Eros, Ágape e Filia. Amor pode ser tudo, mas insistimos que seja
nada. Ou quase nada.
É,
eu acho que a nossa cultura supervaloriza um “amor ideal”. O resultado:
passamos a vida à procura disso e não aproveitamos os “pedaços de amor” que
aparecem no meio do caminho. É tipo a busca pela tal da felicidade, outra coisa
que dizem que existe por si só, tipo pote de ouro no final do arco-íris. Não nascemos
amando, aprendemos a amar. Ou deveríamos. Mas parece que passamos a vida nos esquivando do amor, pensando evitar o inevitável, o sofrimento. Poderíamos
descobrir o amor em pequenas paixões e amá-las mais do que evita-las.
Poderíamos realmente desfrutar o amor de um bichinho de estimação e estimá-los como parte de
nós, não tratá-los como coisa. Poderíamos amar mais as pessoas e entender que elas são
como nós, passíveis de erros, ao invés de julgar toda a humanidade por todos os
erros, inclusive os nossos.
Sei
lá, quando eu era pequena, toda vez que ganhava um presente novo, fosse roupa,
fosse brinquedo, fosse o que fosse, eu dava um beijo, como que para expressar minha gratidão. Eu
cresci e me tornei menos materialista, porém, menos grata com aquilo me faz
bem. As ciências sociais me ensinaram que precisamos de ordem para viver em
sociedade e uma das formas de fazermos isso é codificando várias coisas,
inclusive os comportamentos. É como se houvessem regras para dizer se algo é ou
não socialmente aceito. Pelo menos
sempre entendi assim e sempre achei um problema.
Não entendo o porquê de as pessoas gostarem de definir quais as formas de amar,
sem, muitas vezes, terem definido as suas próprias formas de amor. Talvez eu seja
imatura demais para isso. Mas, cá entre nós, sempre achei a vida adulta um
porre e ninguém discorda que as crianças são muito mais pró na arte de amar.
Porque ninguém as ensinou a “desamar”.
Assim,
para não desamar, desconstruamos o amor. O amor-tradicional, o amor-cinderela, o
amor-heteronormativo, o amor-machista, o amor-monogâmico, o amor-possessivo.
Desconstruamos o amor-utopia. Eu sou uma defensora das utopias, mas a utopia do
amor nos cega frente aos demais amores, aos amores imperfeitos.
É
Carlos*, esse anjo que te mandou ser gauche na vida, também me encontrou. E me
fez como ele, torta. Mas, meu caro Carlos, no meio do caminho sempre tem alguma
coisa. Eu, gauche que sou, escolhi ressignificar o amor, construir do meu jeito,
mas não sem a ajuda dele. Ele, que de tão ele, merece mais do que palavras
clichês de amor-utopia. Ele mesmo, que merece que eu sinta mais do que fale.
Sim, ele, que é a linha reta, enquanto eu sou um ponto que errou a curva. Mas ele,
que tá ok com isso. Ele que, mais novo que eu, não aprendeu a desamar e ainda
embarcou na minha viagem de desconstrução do amor. Ele que, não contente, ainda
me levou de volta à infância só pra tirar as teias daquela gratidão que eu
possuía outrora. Ele, que sabe que eu tô falando dele.
*Referência aos poemas de Carlos Drummond de Andrade, Poema de Sete Faces e No Meio do Caminho.
*Referência aos poemas de Carlos Drummond de Andrade, Poema de Sete Faces e No Meio do Caminho.
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